CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO À COVID-19 E DIREITO DE PROPRIEDADE

Diversas foram as medidas indicadas pelas autoridades sanitárias e impostas pelo Poder Público para fins de enfrentamento da disseminação do COVID-19, como o isolamento social e a restrição de circulação em determinados locais.

Em razão disso, levantaram-se debates sobre os choques causados entre direitos fundamentais (que se encontram positivados na Constituição Federal).

Para a solução desses conflitos, faz-se necessária a aplicação do princípio da proporcionalidade, posto que nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos.

Nessa conjuntura, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu sobre o conflito entre o direito à propriedade e o direito à vida e saúde.

No caso julgado pela Terceira Turma do STJ (REsp nº 1.971.304-SP), o síndico de um condomínio edilício comercial estava impedindo os proprietários de acessarem suas unidades, com fundamento na preservação dos direitos à vida e à saúde dos condôminos e no combate à disseminação do COVID-19.

Tal providência, a despeito de alinhada com Lei nº 13.979/2020 (que versa sobre as medidas de enfrentamento à pandemia), colide com o direito à propriedade, que confere ao proprietário do bem as faculdades de usar, gozar, dispor ou reaver a coisa de quem injustamente a possua ou detenha (artigo 1.228 do Código Civil).

Assim, o Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar o princípio da proporcionalidade para sopesar os direitos fundamentais, entendeu como indevida a restrição imposta pelo síndico, em razão da existência de medidas menos gravosas.

Dessa forma, a Corte Superior deu provimento ao recurso interposto pelo condômino, reformando-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (que havia mantido a sentença de improcedência dos pedidos do proprietário da unidade).

Ainda, diante da relevância da questão, o tema foi objeto do Informativo de Jurisprudência do STJ, na Edição Especial nº 6, de 25 de julho de 2022:

“A medida adotada por síndico de condomínio, ao vedar totalmente o acesso do prédio aos proprietários, em razão da disseminação da covid-19, é indevida e restringe o direito de propriedade.”

Complementando, consignou a Ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão do Recurso Especial que deu origem ao referido destaque do Informativo:

6. Considerando que o síndico é o administrador do condomínio, com a competência para praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns (arts. 1.347 e 1.348, II, do CC/2002 e 22, caput e § 1º, da Lei nº 4.591/1964), cabe a ele adotar as medidas necessárias para proteger a saúde e a vida dos condôminos, ainda que isso implique em restrições a outros direitos, como o de propriedade, especialmente em situações excepcionais, como na pandemia da doença COVID-19, desde que tais restrições sejam proporcionais. 7. Na hipótese de conflitos entre direitos fundamentais, para avaliar se é justificável uma determinada medida que restringe um direito para fomentar outro, deve-se valer da regra da proporcionalidade, a qual se divide em três subregras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. 8. A medida restritiva ao direito de propriedade, consistente em impedir, de forma absoluta, o proprietário de entrar em sua unidade condominial é adequada para atingir o objetivo pretendido, qual seja, evitar a disseminação da COVID-19, assegurando o direito à saúde e à vida dos condôminos. 9. Entretanto, a medida não é necessária, tendo em vista a existência de outros meios menos gravosos e igualmente adequados, como a implementação, pelo síndico, de um cronograma para que os proprietários possam acessar suas respectivas unidades condominiais em horários pré-determinados, mantendo vedado o acesso ao público externo. 10. Hipótese em que se reconhece a indevida restrição ao direito de propriedade do recorrente pela medida adotada pelo síndico do condomínio recorrido de vedar totalmente o acesso do prédio aos proprietários; e, consequentemente, o direito de o recorrente adentrar em sua unidade condominial.”

Fontes:

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

BRASIL. Lei nº 13.979/2020, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Informativo de Jurisprudência Edição Especial nº 6, 25 de julho de 2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo.ea

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